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ARTIGOS

13
JUL 2020

SOBRE A IMPORTÂNCIA DA AUTONOMIA

          Conversando com algumas famílias, tenho percebido que alguns pais se preocupam em poupar os filhos de qualquer contato com situações que possam gerar emoções, entendidas como negativas, que possam trazer sofrimento e frustração às crianças. Então achei que seria interessante refletirmos sobre superproteção e autonomia.

          Proteger as pessoas que amamos é essencial — até mesmo no reino animal existe esse instinto. A proteção aos filhos é natural, mas deve ser diminuída à medida que as crianças crescem, pois quando mantida ou aumentada, pode ser extremamente prejudicial. É muito importante podermos proporcionar experiências aos nossos filhos, para que comecem, gradativamente, a aprender a tomar conta de si próprios, considerando sua faixa etária, suas noções de perigo e realidade e competências. Para tanto, é essencial sabermos diferenciar proteção de superproteção.

          Muitos confundem o excesso de proteção aos filhos com demonstração de amor, sem compreender as consequências que esse tipo de comportamento pode ter nas suas vidas.

        A superproteção, como indica o termo, se refere ao hábito de cobrir os filhos de cuidados excessivos, desnecessários, arbitrários, o que vem a ser uma prática inadequada, pois poderá gerar problemas comportamentais, de desajuste social e falta de autonomia, o que acaba por determinar um frágil desenvolvimento de recursos internos para lidar com a realidade, tornando muito árdua a tarefa de alcançar a independência pessoal, que depende da conquista da autonomia e da segurança de sua própria capacidade e competência, que estão diretamente ligadas ao desenvolvimento da autoestima.

       Então, podemos pensar na superproteção pelo viés de fazer tudo no lugar dos filhos, não permitindo que eles experimentem e aprendam por si, gerando frustrações, inabilidade de solucionar pequenos problemas, pelo medo de errar.  Seguindo em um processo crescente nesta direção, pode ocorrer uma autopercepção de incapacidade crônica e generalizada que culminaria em um adulto com incapacidade de gerenciar a própria vida. Outro viés, que gostaria de trazer com maior ênfase, neste breve texto, é quando a superproteção procura resguardar a criança de qualquer pressão ou estresse, como por exemplo, não permitindo que ela estabeleça conexão com emoções causadas por vivências desagradáveis, que deveriam ser traduzidas e validadas pelo adulto, desde que sejam reais e verdadeiras, podendo gerar alívio de ansiedades, quando compreendidas como coerentes e esperadas, diante da situação. Assim autorizamos nossos filhos a sentir, se emocionar, a se conhecer e a acreditar na sua capacidade de crítica e de percepção, coerentes com os fatos.

         Está tudo bem chorar, ficar triste, não gostar, não querer que algo seja de tal forma... E quando permitimos tais vivências, mostramos o quanto acreditamos no potencial da nossa criança, de que ela pode dar conta. Negar ou fazer de conta que determinada realidade, como a que estamos vivendo, não existe, não importa ou não nos causa dor, não prepara para a vida. Fazer de conta para os filhos que está tudo bem, quando não está, é menosprezar sua capacidade de percepção da realidade, que é construída dia a dia, a partir do viver, com tudo o que cabe nesta experiência maravilhosa. Quando “tocamos na dor”, nos permitimos sentir, localizamos ansiedades e nos libertamos. Por que não compartilhar com os pequenos, com naturalidade, que sentimos falta dos amigos, dos abraços, saudades dos nossos pares, da nossa vida de antes? Sem dramatizar situações, mas conversar sobre a vida, sobre o que sentimos, sobre o que podemos e não podemos mudar, sobre adaptação, sobre empatia e sobre a capacidade de resiliência.

        “A superproteção dos filhos é uma falsa proteção”, refere o psicólogo espanhol, Iñigo Ochoa de Alda. Para a criança, é mais preocupante não saber o que está acontecendo. Quando ela intui que seus pais estão mal e que algo está acontecendo, sua fantasia é muito pior do que a realidade, portanto, precisamos conversar e compartilhar espaços de comunicação em família. O que de melhor aconteceu hoje? O que de ruim aconteceu hoje? Falar e tentar entender o que pode estar causando mal-estar ou chateações, que fazem parte da vida, ou seja, conectar emoções com realidade.

           Neste momento, chegamos a um ponto fundamental, que pretendo refletir, que seria o equilíbrio entre a proteção, desenvolvimento da autonomia e inteligência emocional.

          Se os pais superprotegem os filhos, formam crianças frágeis e, saber dosar os cuidados e carinhos, sem ser superprotetor, é um desafio para todos. O importante é perceber que querer que seu filho seja feliz e fique seguro, não é o mesmo que evitar que ele passe por qualquer dificuldade ou frustração, uma vez que, também é necessário deixar que ele vivencie situações assim, para que aprenda o que fazer.

          As crianças precisam de cuidadores que lhes sirvam de guia na hora de entender o que acontece com elas, e o equilíbrio e a felicidade são encontrados quando as emoções e o pensamento param de brigar. Então, ao permitir vivências e experiências, às crianças, auxiliando-as a entender e a administrar suas emoções, estamos falando de colaboração para que se tornem especialistas emocionais - aqui estamos falando de desenvolvimento da inteligência emocional.

        Alguns passos em busca dessa inteligência e autonomia:

•          Conhecer as emoções básicas: medo, raiva, tristeza e alegria. Como pais, devemos saber que a raiva provoca vontade de bater, insultar ou atacar, entretanto devem ser esclarecidos os limites à criança para que possa entender a diferença entre o sentir e o agir;

•          Reconhecer as emoções em nós mesmos e nos outros: se conhecermos os gestos, os olhares e os comportamentos gerados por cada uma das emoções básicas, seremos capazes de reconhecê-las em nós mesmos e nos outros. Por essa razão, é importante que ajudemos nossos filhos, desde bem pequenos a nomear as emoções que estão sendo vivenciadas em cada momento e, para tanto, devemos nos sintonizar com as emoções de nossos filhos e, não, negá-las;

•          Validar as emoções que nossos filhos estão sentindo: quando falamos de validação, queremos dizer permitir e prestar atenção à emoção que nossos filhos estão vivendo; ter empatia e aceitar suas emoções e ritmos. Nos casos em que os pais tendem a ignorar as emoções e sentimentos de seus filhos, mais cedo ou mais tarde, essas crianças ignorarão esses sentimentos e evitarão comunicá-los a outras pessoas, o que, adiante, será um problema para essa criança e adulto futuro;

•          Aprender a regular as emoções: as emoções surgem em uma parte específica do cérebro chamada sistema límbico. Não podemos fazer nada para que certas emoções surjam, pois são involuntárias, automáticas e inconscientes, mas o que podemos fazer é administrar ou regular o comportamento que vem a seguir. Temos que diferenciar emoção e comportamento;

•          Refletir sobre a emoção que estamos sentindo. É muito importante passar algum tempo pensando sobre as emoções que estamos experimentando, bem como as sensações, pensamentos e ações decorrentes. É verdade que, quando pequenos, nossos filhos ainda não são capazes de pensar de forma autônoma, por isso é essencial que reflitamos com eles, conscientizando-os de tudo que eles vivenciam.

•          Expressar as emoções de forma adaptativa: se pensarmos agora, nas crianças, pode-se encontrar muitos exemplos em que não expressam as emoções de maneira saudável e adaptativa, o que podemos observar, por exemplo, nas crises de birras. Quando uma criança faz birra é porque não tem outra estratégia mais eficaz de demonstrar sua raiva e frustração ou de pedir coisas. É por isso que devemos ensiná-las a entender o que estão sentindo e as formas mais eficazes de administrar suas emoções, especialmente, as desagradáveis.

•          Promova o entendimento do que aconteceu. O último estágio que devemos percorrer é dar um sentido ou explicação para o que aconteceu. É como contar uma história. Vamos pensar no caso de uma menina de 5 anos que está dormindo em seu quarto, quando de repente, grita e começa a chorar. Ela teve um pesadelo e seus pais vão, rapidamente, para o seu quarto. Ela está muito assustada, então, nesse momento, seus pais precisam ajudá-la a relacionar os sentimentos, emoções, pensamentos e ações, a fim de trazê-la ao equilíbrio. Eles precisam dar a ela uma narrativa ou um sentido para o que aconteceu. Além de abraçar e acolher, os pais podem dizer algo assim: filha, você teve um pesadelo muito ruim. É por isso que você gritou, você sentiu medo. É normal ficar assustada, mas já estamos aqui com você. Mamãe e papai também se assustam, quando têm sonhos desagradáveis. Vamos nos acalmar um pouco e tentar dormir de novo? Uma explicação simples como essa já seria suficiente.

 

         É sempre importante refletir sobre a educação das crianças. Os cuidadores, ao exercerem o papel de guia, entendendo o que acontece com elas, promovem o equilíbrio mental, que acontece quando há uma coerência entre seus sentimentos, suas emoções, seus pensamentos e suas ações. A criança superprotegida se torna frágil e insegura. É essencial estar junto dela e permitir que aprenda com suas próprias experiências, buscando um equilíbrio entre a proteção e o desenvolvimento de sua autonomia.

 

 

                                                                                             Sílvia Saenger

Psicóloga Ser Criança

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