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ARTIGOS

08
JUN 2020

BRINCADEIRA É COISA SÉRIA

                      O brincar é vital na vida da criança, tão importante quanto se alimentar, descansar e respirar. É através da brincadeira que ela estabelece relações de conhecimento consigo, com os outros e com o mundo, do qual começa a fazer parte desde seu nascimento, compreendendo-o e também construindo sua personalidade.

                    Brincadeira é coisa séria, pois brincando a criança se expressa, interage, aprende a lidar com a realidade que a cerca, recria situações do cotidiano e, desta maneira, experimenta diferentes papéis e emoções básicas como o amor, o medo, a alegria, a raiva, a ansiedade, bem como desenvolve suas habilidades de criação, de relacionar-se e de interagir. 

                    Atualmente, devido à situação pandêmica em que o mundo se encontra, a maioria dos pais está em casa com os seus filhos, o que requer um árduo trabalho de conciliação, entre as atividades a serem realizadas, mas compensa o fato de conviver com a criança e de existir tempo para o brincar, salientando que é essencial para que as crianças desenvolvam as suas capacidades motoras (coordenação motora ampla e fina), cognitivas (raciocínio, pensamento, que se relacionam com a linguagem verbal) e afetivas (compreender e dar espaço para que se manifeste determinado sentimento e compreender a forma como ele irá influenciar as suas ações).  Brincando a criança pratica competências que serão necessárias ao longo de sua vida.

                  O primeiro brinquedo do bebê são seus pais ou cuidadores responsáveis, aqueles com os quais descobrirá suas primeiras sensações e emoções. O que mais atrai o recém-nascido são os rostos! Olhos expressivos, narizes franzidos e bocas que mexem, assim como expressões, sons e emoções provocam ações do bebê, que, rapidamente, descobre que tem um imenso poder sobre elas, percebidas no semblante do seu principal objeto de interesse. É a sua primeira forma de interação. Brincar através da expressão gestual, verbal, dramática e musical, com bebês e crianças pequenas, ajuda a desenvolver várias competências como a comunicação, a cognição, as relações sociais e a auto estima.

                  A criança, mesmo sendo pequena e vulnerável, sabe muitas coisas, toma decisões, escolhe o que quer fazer, olha e pega nos objetos que lhe interessam, interage com as pessoas, expressa o que sabe fazer e demonstra o seu interesse pelo mundo, através dos seus gestos e atitudes, pelo olhar e por palavras. Ela necessita de oportunidade para suas experiências, como presenças, brinquedos e variados objetos a seu alcance, para suas explorações.

                 Considerando a realidade em que a criança vive, muitas vezes se observa que o brinquedo tem se tornado objeto de consumo, a brincadeira tem perdido seu objetivo lúdico por conta dos brinquedos contemporâneos, quando a criança não brinca, não explora, não cria, nem representa concretamente seus pensamentos e valores. Tudo já vem pronto para a criança, que muitas vezes se torna expectadora do “objeto brinquedo” e não interage com o mesmo. Vale destacar que brinquedo é qualquer objeto que se transforma a partir da atuação da criança, tornando-se assim um suporte para a brincadeira e não um objeto determinante na brincadeira. Com isso entendemos que não é o brinquedo que delimita a brincadeira da criança, mas a brincadeira é que dá o significado ao brinquedo.

                   Certamente o brinquedo pronto ou jogos eletrônicos são importantes para a criação do lúdico e desenvolvimento infantil, porém o que é pronto já está dado e oferece menos desafios à criança. Por isso, não é raro acontecer o desinteresse rápido por brinquedos caríssimos e observar um tanto de envolvimento e diversão ao explorar a embalagem, ao empilhar ou encaixar potes e panelas, que são denominados objetos não estruturados,  

                  Psicólogos infantis definem as brincadeiras desestruturadas como “o tipo de brincadeira que não se apoia em tecnologia, não tem roteiro definido e não possui outro objetivo que não seja o de inventar mundos e criar ideias”. Os cientistas costumam chamar as brincadeiras desestruturadas de “brincadeira livres” e eles dizem que, de fato, são boas para a adaptação social, pois atividades que exigem da criança estruturar seu próprio brinquedo ou brincadeira permitem que algumas funções cognitivas sejam estimuladas, pois para estruturar-se precisará organização, planejamento, flexibilidade cognitiva, criatividade, manutenção da atenção, memória operacional entre diversas outras capacidades mentais, bem como lidar com o estresse e resolver problemas.

                A cultura é algo que pertence a todos e compreende objetivos comuns, brincar é a primeira forma de cultura, uma linguagem pela qual nos expressamos e nos apossamos, gradativamente, de aprendizagens e conhecimentos.               

                Vygotsky traz uma reflexão importante sobre a construção da imaginação e as relações futuras da criança: “a imaginação, como base de toda a atividade criadora, se manifesta por igual em todos os aspectos da vida cultural, possibilitando a criação artística, científica e técnica. Neste sentido, absolutamente tudo o que nos rodeia e que foi criado pela mão do homem, todo o mundo da cultura, em diferenciação ao mundo da natureza, tudo é da criação humana, baseados na imaginação”.

                O brinquedo não estruturado oferece a oportunidade de ser transformado e lapidado pela imaginação infantil, ou seja, qualquer coisa poderá ser transformada em um objeto potente para a criança, pelo simples fato de ser ela quem o criou. Quanto mais se brinca com materiais não estruturados, maior o potencial inventivo da criança, que precisa criar contornos de significado e sentido para as suas criações.

               A criança pode fazer qualquer objeto se transformar num brinquedo, quando por meio da imaginação ela muda seu significado. Mesmo os brinquedos industrializados organizados nas prateleiras de uma grande loja são apenas um potencial de brinquedos, não os são ainda. Esses objetos se transformarão em brinquedos apenas quando forem usados pelas crianças em uma situação de brincadeira, utilizados livremente para dar vida aos enredos por elas inventados. (Wajskop 2007, p. 40)

                O respeito à brincadeira espontânea e livre nada mais é do que a aceitação da capacidade e potencialidade inerentes à criança, verdadeira protagonista de sua vida e de sua maneira de ser e estar no mundo.

              A brincadeira é um universo simbólico, onde a criança reconstrói e representa sua realidade. Aprende regras, aprende a partilhar, a conviver, a ganhar e a perder, a criar expectativas e a gerir frustrações. Aprende a ser flexível, a negociar, a escolher, a ouvir e a falar. A experimentar e testar os seus limites. A pensar estrategicamente. A ter o seu projeto de brincadeira. Aprende a SER - SER CRIANÇA.

Silvia Saenger

Psicóloga Ser Criança

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